Real, virtual ou ideal – qual a imagem queremos passar para os outros? Como as Marcas e o Metaverso podem nutrir nossos desejos e fantasias? Filosofia, psicologia e a frustração de Churchill são os elementos que utilizaremos nesse artigo para fazermos algumas reflexões (ou provações) sobre o futuro, sociedade, pessoas e marcas.
Por Mirella Vegini, Brand Manager da Sã .: Consciência de Mercado.
Fui provocada (internamente) a escrever esse artigo quando tive o prazer de ler o e-book “BRANDPEDIA “FELIZ MARCA NOVA” – 2022 em 22 reflexões sobre marcas e sociedade”, de autoria da Troiano Branding (publicado virtualmente em dezembro de 2021). No e-book, 22 reflexões e não poderia faltar o “Metaverso”, temática que ganhou força no mundo da gestão, tecnologia e inovação desde o lançamento do reposicionamento da arquitetura da marca do Facebook, com a mudança do nome da holding para “Meta”.
No artigo “Metaverso e o eu ideal” (e-book da Troiano), a palavra DESEJO surge como princípio básico para compreendermos algo tão novo como o Metaverso, mas não tão novo no que diz respeito “ao que move a humanidade em direção de algo”. E, de forma simples, mas brilhante, o texto volta lá na filosofia e psicologia, buscando recortes precisos para que de forma objetiva o Metaverso seja compreendido como uma NOVA ferramenta que mexe nos MESMOS RECURSOS HUMANOS já mapeados desde “Platão até Hegel”.
Em suma, a reflexão proposta no artigo nos mostra que no Metaverso “não seremos outra pessoa, apenas estaremos mais próximos de nossos desejos ou fantasias”. Em tempos de marcas cada vez mais “pessoalizadas” (não quis usar nem personificada e nem personalizada, pois quero trazer a força dessa “humanização” que temos presenciado no relacionamento entre marcas e sociedade), não seria contraditório afirmarmos que as marcas buscam se aproximar do real, enquanto o Metaverso nos aproxima do ideal (e não apenas do virtual)? O real nem sempre é o ideal, certo? Porém, toda a reflexão anterior, baseada na filosofia e psicologia, nos leva a compreensão de “para onde estamos indo”: Se a construção da imagem é a soma da minha identidade (o que sou) com a soma daquilo que eu quero ser (espaço de idealização) então, mesmo quando a marca conversa de igual com as pessoas e as nutre de pertencimento, mesmo nesse movimento relacional, ela sempre estará conversando (e reafirmando) com uma imagem e não com uma identidade, pois “o que move as pessoas são os desejos, a busca por aquilo que nos falta”. E a proposta do Metaverso é exatamente essa: “Lá, por meio dos avatares, podemos criar um personagem e ser aquilo para onde nosso eu ideal aponta. Comprar uma ilha, consumir marcas diferentes do que faço no dia a dia, ser um investidor mais arrojado ou praticar a poligamia. Na verdade, não seremos outra pessoa, apenas estaremos mais próximos de nossos desejos ou fantasias. O que o Metaverso traz é ampliar os espaços para que isso aconteça”.
Isso me fez lembrar de uma história que aconteceu em 1954, quando Winston Churchill1fez 80 anos e Graham Sutherland2 foi contratado (financiada pela Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes) para representar o político em uma obra que seria presenteada no seu aniversário. O resultado foi um total desastre, pois Churchill não se reconheceu na obra: o primeiro-ministro esperava ser representado como um Cavaleiro da Liga (uma cavalaria antiga do sistema de honra britânico). Porém, Sutherland o representou sentado em uma cadeira, inclinado para frente e olhando com a expressão de carrancudo. Em meio a tons escuros, o quadro gerou diversos comentários controversos: a imagem fazia Churchill parecer desencantado, uma narrativa diferente do que era difundido no período. O parlamentarista Aneurin Bevan, por exemplo, alegou que a imagem era linda e apresentava traços reais. O artista (Graham Sutherland) reafirmou que havia pintado o que viu. Por fim, após a obra ser exposta em Westminster Hall, a esposa de Churchill e secretários particulares da família destruíram a pintura queimando-a.
A história acima ilustra bem a relação entre IDENTIDADE + ESPAÇO DE IDEALIZAÇÃO = IMAGEM. O conflito vivido por Churchill em não reconhecer o seu EU IDEAL (IMAGEM) no seu EU REAL (Identidade). Hoje vivemos na sociedade da imagem, onde o tempo todo nos vemos e modulamos a nossa representação no mundo através de fotos, selfies, design, conteúdos e redes sociais. O Metaverso, nesse sentido, seria o quadro pintado à luz de como nos enxergamos, de como queremos ser vistos, de como nos idealizamos. A materialização de uma vida real (mesmo que virtual) do que já fazemos em nossos perfis de redes sociais, por exemplo.
Enfim, o tema é denso e, assim como a Troiano, me permiti pensar e reflexionar sobre esse ambiente tão novo e misterioso, com impactos inimagináveis na sociedade, nas relações entre as pessoas e na construção das marcas. Talvez, pensar na “busca pela imagem real” seja utópico e ingênuo. Ou talvez, coexistindo num mesmo tempo e espaço teremos dois movimentos distintos (o real e o ideal) exigindo nossos esforços estratégicos e olhares apurados. Vamos ver o que virá de novo por aí!
1 Winston Leonard Spencer-Churchill, estadista britânico e conservadorista, ficou conhecido após o título de primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
2 Graham Sutherland: artista inglês, notável por seu trabalho em vidro, tecidos, gravuras e retratos. Pintor modernista e já tinha certa reputação na época. Dessa maneira, ele buscava expressar a pessoa real em suas obras. Também conhecido por seus retratos expressionistas e por suas paisagens surrealistas.